A
Herança
e o
Fiat 147...
Antonio Celso
dos Santos
2013
O
Dr. Juarez Boaventura era um homem realizado na vida, milionário dono de
fazendas, indústrias, com investimentos nos mais variados mercados do mundo.
Sua fortuna pessoal estava calculada em mais de dez bilhões de dólares. Não
tendo herdeiros diretos, já que seu único filho havia falecido há alguns anos
devido a um acidente automobilístico na Europa e sua querida Cristina, uma
italianinha que ele conquistou quando da sua participação na segunda guerra
mundial onde serviu como um dos pracinhas da FEB o deixou também devido a uma
dessas doenças terríveis que não dão a menor chance ao doente.
D
Dr. Boaventura na falta de herdeiros diretos tinha uma meia dúzia de sobrinhos,
filhos de irmãs que já haviam partido também dessa vida, sobrinhos esses que
jamais fizeram parte da sua vida, mas que ficavam sempre nas proximidades
urubuzando a sua partida deste mundo de aflições e tristezas para poderem ficar
logo com a herança. E que herança!!!!!
Tinha
ele como secretário e braço direito para todas as horas o Lucas. Lucas era
também um sobrinho, filho de uma prima distante de sua mulher que ficou órfão
muito cedo e aos treze anos foi resgatado por Cristina ainda na Itália e
trazido para o Brasil e ficou sob a guarda da família desde então. Conquistou
do Dr. Boaventura com sua perspicácia e sua vontade de aprender e
principalmente por jamais o ter chamado de tio. Lucas desde muito cedo aprendeu
o português sozinho e foi buscar os seus conhecimentos do mundo no mundo,
procurou não depender dos tios e assim fez seus estudos em escola publica
apesar da sua tia Cristina ter se colocado como sua tutora, mas ele sempre
dizia que um verdadeiro homem só devia pedir socorro se realmente não
conseguisse resolver seus problemas por si. E assim o fez. Esse seu gesto o
colocou na linha de frente perante o Dr. Boaventura que apesar de parecer estar
distante da sua vida jamais realmente esteve e quando no garoto terminou o
ensino médio imediatamente o chamou ao escritório e lhe perguntou qual carreira
queria seguir ao que Lucas respondeu que queria ser administrador de empresas.
_Por
quê? Perguntou-lhe o tio.
_É
porque eu vejo o seu trabalho e sei o quanto ele é importante!
_Muito
bem, meu filho então se você permitir eu gostaria de lhe dar esse presente!
_Mas...
Dr. Boaventura, eu não acho isso certo!
_Eu
também não acho! Mas veja bem Lucas, você não tem mais ninguém na vida e eu me
vejo na obrigação de fazer essa parte, então eu lhe peço licença para
participar da sua vida dessa forma, por favor!
_Tudo
bem Dr., desde que isso não lhe seja um problema!
_De
forma nenhuma, e demais a mais sua tia vai ficar muito feliz comigo! Disse o
Dr. Boaventura piscando um olho e sorrindo.
Ficou
então decidido que Lucas iria cursar a faculdade de Administração de Empresas,
mas não seria uma faculdade qualquer, tinha que ser a melhor do país. E como em
tudo o que ele fazia foi o melhor aluno do curso. Foi o orador da turma e deu
ao Dr. Boaventura e a D. Cristina a maior de todas as alegrias. Tão logo
terminou o curso foi convidado pelo tio a integrar o grupo de funcionários da
empresa da família, onde ele fez questão de entrar como um funcionário qualquer,
mas dentro de pouco tempo já tinha galgado os postos de chefia disponíveis e chegado
a Diretoria da empresa, e isso tudo conquistado por mérito próprio, o que
deixou o Dr. Boaventura cheio de orgulho. Não teve jeito desde então ele
tornou-se o braço direito do tio e nessa função teve que fazer mais cursos
principalmente de línguas, ele que já falava o inglês, o italiano e o português
aprendeu também o francês, o árabe, o japonês e o mandarim, isso sem contar a
sua vontade de ser também advogado. E ele conseguiu! Nessa época o Dr.
Boaventura sentiu um friozinho no estômago, pois viu que a sua cria poderia
querer ir embora de casa...
Mas
ainda na formatura onde de novo Lucas deu um espetáculo de oratória como orador
da turma e no final da festa disse ao Dr. Boaventura que a empresa havia
ganhado mais um advogado para aprender a dirigir um grande projeto como aquele.
Foram
anos de muita paz e progresso para o Dr. Boaventura, pois o seu Lucas foi
galgando postos e chegou ao cargo de vice-presidente de todo conglomerado e
passou a representá-lo em todas as viagens em que a empresa teria que se
apresentar. E por mais de quatro anos Lucas foi consolidando a sua posição, não
que isso fosse a sua meta de vida, mas ele se sentia em divida com sua tia
Cristina e principalmente com o Dr. Boaventura, então foi deixando o tempo
passar e demais a mais ele gostava daquela vida de mega empresário, afinal de
contas era um jovem de vinte e sete anos e já com várias faculdades no
currículo e um cargo daquela envergadura. Mas como tudo tem um fim chegou o dia
em que o Dr. Boaventura também teve que dar o seu adeus à vida. Foi um momento
muito triste para todos e logo depois do enterro do grande chefe ocorreu a
invasão dos herdeiros e todos querendo tomar posse do espólio, quando chegaram
os advogados do Dr. Boaventura e colocaram ordem no galinheiro formado. Os
herdeiros, ou melhor, aqueles que se consideravam herdeiros eram seis jovens.
Pessoas criadas no bom e no melhor, nem todos tinham qualificações para assumir
qualquer posição nas empresas, já que a única qualidade que tinham era serem
membros da família Boaventura...
Tão
logo eles tentaram se apossar dos bens do finado tio a equipe de advogados já
previamente preparada pelo Dr. Boaventura e muito bem instruídos, inclusive
legalmente designados pelo mesmo tomaram as rédeas da situação.
Tendo
reunidos todos eles e mais o vice-presidente Lucas os colocaram a par da
situação.
_Muito
bem senhoras e senhores, atendendo ao que estipula o testamento do Dr. Boaventura,
informamos a todos os interessados que a leitura do referido documento será
feita exatamente daqui a um ano. De acordo com as determinações do Dr.
Boaventura nesse período Dr. Lucas ficará com a presidência do grupo e com
autoridade total sobre o mesmo.
Foi
um fuzuê, os “herdeiros” enlouqueceram, mas como era uma decisão testamentária
e nenhum deles tinha qualquer idéia especifica sobre nada, já que o que lhes
interessava realmente era a fortuna do velho, fecharam o bico e foram embora...
Um
ano se passou, e não foi um ano fácil para o pobre do Lucas, já que os
“herdeiros “não lhe davam sossego, mas a equipe de advogados da empresa lhe
dava uma assessoria de primeira e então apesar de os sobrinhos terem
praticamente invadido algumas propriedades ele procurou não entrar em atrito
diretos com eles, afinal de contas um ano passa logo e depois ele seguiria sua
vida em paz....
Chegou
o grande dia finalmente, principalmente para os “herdeiros” ....
Estavam
todos reunidos na grande sala de reuniões da presidência da empresa. Ali se
encontravam as sobrinhas Suzana e Margarida e os sobrinhos Luiz Carlos, Agenor
e Alfredo e é claro Lucas.
_Muito
bem Senhoras e Senhores estamos aqui reunidos neste dia em que faz um ano da
morte do Dr. Juarez Boaventura para fazermos a leitura do seu testamento e
obedecermos às suas determinações que são claras e objetivas, certo?
_Sim
Senhor! Responderam todos em uníssono,
parecendo uma classe de segundo ano escolar.
O
único do grupo que estava em silêncio era Lucas, talvez por que tivesse a certeza
de que não era herdeiro de nada, já se sentia devidamente agraciado pelos anos
de convivência e por todas as graças recebidas do velho Boaventura...
_Muito
bem já que estamos todos aqui creio de podemos dar início à leitura do
testamento, pois não Senhores e Senhoras?
_Dr.
O Senhor está enrolando muito, já deveria ter começado! Vociferou Margarida.
_Muito
bem, mas antes de iniciarmos os nossos trabalhos eu tenho uma pergunta a fazer
a cada um de vocês:
_O
carro Fiat 147, ano 1978 que o Dr. Boaventura adorava é o primeiro item que
tenho a ofertar aos senhores, alguém se interessa?
_Suzana?
_Claro
que não!
_Luiz
Carlos?
_Tá
doido, lógico que não!
_Margarida?
_Prá
que eu quero um lixo desses? Não!!!!!!
_Agenor,
você quer ficar com o Fiat 147 e tudo o que tem dentro dele?
_Dr.
Eu quero ser herdeiro da fortuna do velho e não do lixo!
_Tudo
bem e você Alfredo?
_Dr.
Sabe o que o Senhor faz com essa merda? Dá ela pro Lucas, ele vai adorar!!!
_É
isso que vocês querem? Que eu entregue o carro ao Dr. Lucas?
_Claro!!!
Responderam todos em coro.
_Dr.
Lucas, o Senhor aceita esse carro?
_Claro
que sim, era um carro que o Dr. Boaventura adorava!!!!
_Muito
bem, então que assim seja feito. E se virando para o secretário que estava ali
a postos para digitar um documento com as ultimas decisões testamentárias ele
ditou:
_Anote
ai: De acordo com a decisão de todos os herdeiros fica decidido que o Senhor
Lucas aqui presente será o único dono a partir dessa data do carro Fiat 147,
ano 1976 totalmente reformado. Documento esse que vai assinado por todos os
presentes.
E
assim foi feito, tão logo o documento estava devidamente digitado e impresso
foi assinado por todos os presentes, inclusive pelo Lucas.
_Muito
bem então eu declaro que a reunião está encerrada! Disse o presidente da mesma.
_Como?
Gritaram todos.
_E
a leitura do testamento Dr.?
_Simples,
de acordo com a decisão do Dr. Boaventura aquele que aceitasse ficar com o seu
carro de estimação seria o herdeiro de todo o seu patrimônio!
_Isso
é uma idiotice! Gritou Margarida.
_Não
absolutamente! Respondeu o advogado.
_E
deixe-me lhes dizer uma coisa: O Dr. Boaventura já sabia há cinco anos quem
seria o seu herdeiro! Vocês todos têm 24 horas para entregar ao novo dono os
imóveis dos quais se apossaram e é claro efetuar o pagamento pelo aluguel do
período!
_Isso
é um ultraje, vamos recorrer!
_Nem
tentem, esse testamento tem cinco anos que foi elaborado e o tio de vocês os
conhecia muito bem. Dr. Lucas parabéns, tenha uma ótima saúde e pelo amor de
Deus, escolha melhor os seus herdeiros!!!
FIM
Capão Bonito, 04 de fevereiro de 2013.
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