sexta-feira, 15 de agosto de 2014

A Herança e o Fiat 147



A
Herança
e o
Fiat 147...



Antonio Celso  dos Santos
 2013



















O Dr. Juarez Boaventura era um homem realizado na vida, milionário dono de fazendas, indústrias, com investimentos nos mais variados mercados do mundo. Sua fortuna pessoal estava calculada em mais de dez bilhões de dólares. Não tendo herdeiros diretos, já que seu único filho havia falecido há alguns anos devido a um acidente automobilístico na Europa e sua querida Cristina, uma italianinha que ele conquistou quando da sua participação na segunda guerra mundial onde serviu como um dos pracinhas da FEB o deixou também devido a uma dessas doenças terríveis que não dão a menor chance ao doente.
D Dr. Boaventura na falta de herdeiros diretos tinha uma meia dúzia de sobrinhos, filhos de irmãs que já haviam partido também dessa vida, sobrinhos esses que jamais fizeram parte da sua vida, mas que ficavam sempre nas proximidades urubuzando a sua partida deste mundo de aflições e tristezas para poderem ficar logo com a herança. E que herança!!!!!
Tinha ele como secretário e braço direito para todas as horas o Lucas. Lucas era também um sobrinho, filho de uma prima distante de sua mulher que ficou órfão muito cedo e aos treze anos foi resgatado por Cristina ainda na Itália e trazido para o Brasil e ficou sob a guarda da família desde então. Conquistou do Dr. Boaventura com sua perspicácia e sua vontade de aprender e principalmente por jamais o ter chamado de tio. Lucas desde muito cedo aprendeu o português sozinho e foi buscar os seus conhecimentos do mundo no mundo, procurou não depender dos tios e assim fez seus estudos em escola publica apesar da sua tia Cristina ter se colocado como sua tutora, mas ele sempre dizia que um verdadeiro homem só devia pedir socorro se realmente não conseguisse resolver seus problemas por si. E assim o fez. Esse seu gesto o colocou na linha de frente perante o Dr. Boaventura que apesar de parecer estar distante da sua vida jamais realmente esteve e quando no garoto terminou o ensino médio imediatamente o chamou ao escritório e lhe perguntou qual carreira queria seguir ao que Lucas respondeu que queria ser administrador de empresas.
_Por quê? Perguntou-lhe o tio.
_É porque eu vejo o seu trabalho e sei o quanto ele é importante!
_Muito bem, meu filho então se você permitir eu gostaria de lhe dar esse presente!
_Mas... Dr. Boaventura, eu não acho isso certo!
_Eu também não acho! Mas veja bem Lucas, você não tem mais ninguém na vida e eu me vejo na obrigação de fazer essa parte, então eu lhe peço licença para participar da sua vida dessa forma, por favor!
_Tudo bem Dr., desde que isso não lhe seja um problema!
_De forma nenhuma, e demais a mais sua tia vai ficar muito feliz comigo! Disse o Dr. Boaventura piscando um olho e sorrindo.
Ficou então decidido que Lucas iria cursar a faculdade de Administração de Empresas, mas não seria uma faculdade qualquer, tinha que ser a melhor do país. E como em tudo o que ele fazia foi o melhor aluno do curso. Foi o orador da turma e deu ao Dr. Boaventura e a D. Cristina a maior de todas as alegrias. Tão logo terminou o curso foi convidado pelo tio a integrar o grupo de funcionários da empresa da família, onde ele fez questão de entrar como um funcionário qualquer, mas dentro de pouco tempo já tinha galgado os postos de chefia disponíveis e chegado a Diretoria da empresa, e isso tudo conquistado por mérito próprio, o que deixou o Dr. Boaventura cheio de orgulho. Não teve jeito desde então ele tornou-se o braço direito do tio e nessa função teve que fazer mais cursos principalmente de línguas, ele que já falava o inglês, o italiano e o português aprendeu também o francês, o árabe, o japonês e o mandarim, isso sem contar a sua vontade de ser também advogado. E ele conseguiu! Nessa época o Dr. Boaventura sentiu um friozinho no estômago, pois viu que a sua cria poderia querer ir embora de casa...
Mas ainda na formatura onde de novo Lucas deu um espetáculo de oratória como orador da turma e no final da festa disse ao Dr. Boaventura que a empresa havia ganhado mais um advogado para aprender a dirigir um grande projeto como aquele.
Foram anos de muita paz e progresso para o Dr. Boaventura, pois o seu Lucas foi galgando postos e chegou ao cargo de vice-presidente de todo conglomerado e passou a representá-lo em todas as viagens em que a empresa teria que se apresentar. E por mais de quatro anos Lucas foi consolidando a sua posição, não que isso fosse a sua meta de vida, mas ele se sentia em divida com sua tia Cristina e principalmente com o Dr. Boaventura, então foi deixando o tempo passar e demais a mais ele gostava daquela vida de mega empresário, afinal de contas era um jovem de vinte e sete anos e já com várias faculdades no currículo e um cargo daquela envergadura. Mas como tudo tem um fim chegou o dia em que o Dr. Boaventura também teve que dar o seu adeus à vida. Foi um momento muito triste para todos e logo depois do enterro do grande chefe ocorreu a invasão dos herdeiros e todos querendo tomar posse do espólio, quando chegaram os advogados do Dr. Boaventura e colocaram ordem no galinheiro formado. Os herdeiros, ou melhor, aqueles que se consideravam herdeiros eram seis jovens. Pessoas criadas no bom e no melhor, nem todos tinham qualificações para assumir qualquer posição nas empresas, já que a única qualidade que tinham era serem membros da família Boaventura...
Tão logo eles tentaram se apossar dos bens do finado tio a equipe de advogados já previamente preparada pelo Dr. Boaventura e muito bem instruídos, inclusive legalmente designados pelo mesmo tomaram as rédeas da situação.
Tendo reunidos todos eles e mais o vice-presidente Lucas os colocaram a par da situação.
_Muito bem senhoras e senhores, atendendo ao que estipula o testamento do Dr. Boaventura, informamos a todos os interessados que a leitura do referido documento será feita exatamente daqui a um ano. De acordo com as determinações do Dr. Boaventura nesse período Dr. Lucas ficará com a presidência do grupo e com autoridade total sobre o mesmo.
Foi um fuzuê, os “herdeiros” enlouqueceram, mas como era uma decisão testamentária e nenhum deles tinha qualquer idéia especifica sobre nada, já que o que lhes interessava realmente era a fortuna do velho, fecharam o bico e foram embora...
Um ano se passou, e não foi um ano fácil para o pobre do Lucas, já que os “herdeiros “não lhe davam sossego, mas a equipe de advogados da empresa lhe dava uma assessoria de primeira e então apesar de os sobrinhos terem praticamente invadido algumas propriedades ele procurou não entrar em atrito diretos com eles, afinal de contas um ano passa logo e depois ele seguiria sua vida em paz....
Chegou o grande dia finalmente, principalmente para os “herdeiros” ....
Estavam todos reunidos na grande sala de reuniões da presidência da empresa. Ali se encontravam as sobrinhas Suzana e Margarida e os sobrinhos Luiz Carlos, Agenor e Alfredo e é claro Lucas.
_Muito bem Senhoras e Senhores estamos aqui reunidos neste dia em que faz um ano da morte do Dr. Juarez Boaventura para fazermos a leitura do seu testamento e obedecermos às suas determinações que são claras e objetivas, certo?
_Sim Senhor!  Responderam todos em uníssono, parecendo uma classe de segundo ano escolar.
O único do grupo que estava em silêncio era Lucas, talvez por que tivesse a certeza de que não era herdeiro de nada, já se sentia devidamente agraciado pelos anos de convivência e por todas as graças recebidas do velho Boaventura...
_Muito bem já que estamos todos aqui creio de podemos dar início à leitura do testamento, pois não Senhores e Senhoras?
_Dr. O Senhor está enrolando muito, já deveria ter começado! Vociferou Margarida.
_Muito bem, mas antes de iniciarmos os nossos trabalhos eu tenho uma pergunta a fazer a cada um de vocês:
_O carro Fiat 147, ano 1978 que o Dr. Boaventura adorava é o primeiro item que tenho a ofertar aos senhores, alguém se interessa?
_Suzana?
_Claro que não!
_Luiz Carlos?
_Tá doido, lógico que não!
_Margarida?
_Prá que eu quero um lixo desses? Não!!!!!!
_Agenor, você quer ficar com o Fiat 147 e tudo o que tem dentro dele?
_Dr. Eu quero ser herdeiro da fortuna do velho e não do lixo!
_Tudo bem e você Alfredo?
_Dr. Sabe o que o Senhor faz com essa merda? Dá ela pro Lucas, ele vai adorar!!!
_É isso que vocês querem? Que eu entregue o carro ao Dr. Lucas?
_Claro!!! Responderam todos em coro.
_Dr. Lucas, o Senhor aceita esse carro?
_Claro que sim, era um carro que o Dr. Boaventura adorava!!!!
_Muito bem, então que assim seja feito. E se virando para o secretário que estava ali a postos para digitar um documento com as ultimas decisões testamentárias ele ditou:
_Anote ai: De acordo com a decisão de todos os herdeiros fica decidido que o Senhor Lucas aqui presente será o único dono a partir dessa data do carro Fiat 147, ano 1976 totalmente reformado. Documento esse que vai assinado por todos os presentes.
E assim foi feito, tão logo o documento estava devidamente digitado e impresso foi assinado por todos os presentes, inclusive pelo Lucas.
_Muito bem então eu declaro que a reunião está encerrada! Disse o presidente da mesma.
_Como? Gritaram todos.
_E a leitura do testamento Dr.?
_Simples, de acordo com a decisão do Dr. Boaventura aquele que aceitasse ficar com o seu carro de estimação seria o herdeiro de todo o seu patrimônio!
_Isso é uma idiotice! Gritou Margarida.
_Não absolutamente! Respondeu o advogado.
_E deixe-me lhes dizer uma coisa: O Dr. Boaventura já sabia há cinco anos quem seria o seu herdeiro! Vocês todos têm 24 horas para entregar ao novo dono os imóveis dos quais se apossaram e é claro efetuar o pagamento pelo aluguel do período!
_Isso é um ultraje, vamos recorrer!
_Nem tentem, esse testamento tem cinco anos que foi elaborado e o tio de vocês os conhecia muito bem. Dr. Lucas parabéns, tenha uma ótima saúde e pelo amor de Deus, escolha melhor os seus herdeiros!!!


FIM

Capão Bonito, 04 de fevereiro de 2013.


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