sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Ana

Ana
Antonio Celso
2013










Roberto é um jovem de muita sorte na vida, pois nasceu numa cidade do interior, cresceu numa fazenda onde se tem muito contacto com a natureza um lugar aonde ainda nos dias de hoje se vai à mangueira e se bebe um leite direto da fonte, ou seja, da vaca. Seus pais têm nas suas terras um pequeno plantel de vacas leiteiras, plantam lavouras de subsistência e têm um belo cafezal, então se não são aqueles ricaços de tudo, são sem duvida muito ricos dentro do seu mundo e ainda mais porque margeando suas terras tem o sitio do Seu Agenor e Dona Laura, compadres do Seu Ricardo, pai de Roberto. Seu Agenor e Dona Laura têm duas filhas lindas, gêmeas, as meninas Ana Laura e Ana Clara que se criaram junto com Roberto, então os três são como irmãos, onde as histórias das suas vidas se entrelaçam desde o dia em que nasceram. Todos têm quase a mesma idade, as meninas estão com 18 anos e Roberto já completou os seus 19.
As meninas estão se preparando para ingressar na faculdade, uma quer seguir a carreira de médica, quer ser pediatra e a outra quer também a medicina, só que na área da veterinária, já Roberto gostaria de seguir algo dentro da linha da informática. E assim lá vão os jovens da família, sim da família, pois as meninas tanto são filhas do Seu Agenor e Dona Laura como são também as filhas prediletas do Sr. Ricardo e Dona Silvia. Quando da partida do trio foi uma choradeira de dar dó, eram duas mães molhando lençol e dois pais cobrando responsabilidades e obrigações. E a preocupação era dobrada devido a Roberto ir para uma cidade e as meninas irem para outra, ou seja, estava desfeito o trio.
As meninas seguiriam para uma cidade maior onde havia uma faculdade tanto de medicina veterinária como da área escolhida por Laura e Roberto iria para a capital do estado onde já estava tudo certo para que ele seguisse seus estudos na área da ciência da computação.
Roberto logo que chegou foi em busca do seu novo endereço que era uma republica de estudantes já previamente escolhida e  lá chegando foi logo se enturmando, coisa típica dos jovens e se inteirando das normas da casa já que era uma casa de família que uma senhora havia transformado em republica de estudantes, ali naquele local os jovens continuavam em família, pois Dona Eulália cobrava deles uma disciplina que os seus pais cobrariam, por essa razão é que os pais escolhiam aquele local para a estadia dos seus filhos. Roberto deu mais sorte ainda, pois Dona Eulália era prima da sua mãe, então como ele costumava brincar, apenas trocou de freios...
Logo no primeiro dia de aula Roberto começou a viver os fatos que são a razão dessa história...
Chegando à frente ao prédio onde deveria iniciar seus estudos Roberto viu uma cena que chegou a lhe tirar o ar, ali em frente estava parada uma moça linda, idêntica às suas irmãs, mas havia algo diferente, os cabelos não eram tão compridos como os de Laura e Clara, eram mais curtos, na altura dos ombros, mas o trejeito, o sorriso, o jeito de olhar e a estatura eram a mesma, Roberto ficou paralisado, algo que nele seria impossível até então, só saiu do seu torpor quando ouviu alguém chamar pela moça.
_Então Ana Maria, conseguiu chegar a tempo?
_Quase que não deu tempo menina, papai estava meio enrolado hoje!
_E quando que o Dr. Luiz não está meio enrolado?
_Não fale assim do nosso pai, Rita!
_Tá legal, o nosso papai é absolutamente perfeito, nunca se enrola... Ah ah ah...
_Rita!!!! Ele não merece isso!
_Verdade, ele não merece mesmo, perdoe amor. Já to indo, ta legal?
_Tudo bem, vá com Deus menina.
_Cê também com ele.
Enquanto as meninas conversavam Roberto conseguiu reequilibrar-se e se aproximou delas e quando Ana Maria ficou só ele se achegou e no maior xaveco perguntou à menina onde era a entrada da facul.
Ela caiu na gargalhada e olhando bem nos olhos dele respondeu que se ele quisesse ela lhe mostraria, ao que ele respondeu que tudo bem, ficaria honrado em ser guiado por uma princesa tão linda.
E lá foram eles e durante a conversa foram se conhecendo e ele ficou sabendo que ela também iria cursar na mesma área que ele, ali nasceu uma amizade daquelas que parecia já existir a séculos.
Com o tempo nasceu algo mais que amizade, e coisa incrível Roberto ligou para sua mãe contando sobre esse novo fato da sua vida e ouviu dela que ele deveria procurar conhecer bem a moça e sua família antes de qualquer coisa, afinal de contas eles eram ambos muito jovens e estavam estudando, o futuro a Deus pertence, mas somos nós que o construímos então temos que ter muita responsabilidade, principalmente ele em relação à jovem. Roberto concluiu que não deveria contar tudo ainda, principalmente quando se tem duas mães...
E o tempo foi passando Roberto e Ana foram se entrosando nos seus estudos e no relacionamento, onde ele ficou conhecendo a família da moça e descobriu que ele tinha mais duas irmãs, ambas mais novas, seus pais eram pessoas muito boas que ficaram muito contentes com o namoro dos dois, principalmente depois de conversarem com as mães de Roberto e ouviram das duas que ele era um ótimo menino e que qualquer coisa era só ligar para elas, como diria Roberto, mais um freio....
O pai de Ana é um médico muito querido na cidade, clinico geral com especialização em ginecologia, mas como diria Roberto com a sua perspicácia tem algo nele que destoa algo como uma tristeza, um sofrimento no olhar.
E depois de algum tempo Roberto se acostumou com aquela semelhança entre as meninas, mas nunca falou nada para a sua Ana das outras Anas da sua vida. Ficou muito bolado quando um dia na piscina constatou que a sua Ana também tinha aquela pinta em forma de coração estilizado no ombro esquerdo, aquilo o deixou muito preocupado.
Na sua primeira visita ao lar decidiu ir a campo e fazer umas investigações, começou perguntando para sua mãe Silvia sobre o nascimento das meninas, se não havia acontecido algo diferente então. Sua mãe achou aquilo estranho e queria saber o porquê das perguntas, mas ele foi evasivo, ela então disse que tinha sim uma história triste, pois uma das meninas não vingou, eram trigêmeas, mas uma das meninas nasceu com problemas no coração e não resistiu nem as primeiras horas de vida. Roberto de posse dessas informações foi a campo com mais sofreguidão ainda, noutro dia já na casa da mãe Laura fez praticamente as mesmas perguntas, ao que ela com os olhos cheios de lágrimas quis saber o porquê ele estava levantando aquela história tão antiga.
_Nada não mãe é que ouvi lá em casa uma vez quando eu era criança alguma coisa e só agora quando fiquei longe das meninas é que me lembrei disso, mas me desculpe se a fiz sofrer com isso.
_Não tem problema não, meu filho, eu é que sou chorona mesmo e depois essa história é tão antiga que não devia mais me fazer chorar assim. Mas tudo bem eu vou te contar o que aconteceu. Quando eu descobri que estava grávida foi uma alegria total, porque já estávamos casados há cinco anos e nada de crianças em casa então foi uma festa só, tanto aqui como na casa da Silvia, foi quando decidimos que vocês teriam mais pais e mães do que precisavam. Você naquela época já estava andando e ficava por ai fuçando o quintal e mexendo com os animais. Teve uma vez que até com os porcos se meteu, não foi fácil. Mas a minha gravidez era de risco, porque eu estava meio desnutrida e o pior eram três crianças, então o seu pai achou por bem que deveríamos ir prá capital. E lá fomos nós, o Agenor meio cabrero com essa viagem, pois nunca tinha ido pra cidade grande, mas a Silvia foi junto com a gente e ficamos na casa de uma prima dela muito boa, a Eulália.
_O que? Na casa da tia Eulália?
_Sim, meu filho! A sua tia Eulália sabe de toda a história, foi ela quem cuidou de mim naquela época.
_Eta mundo pequeno!!
_Então fomos para lá faltando três meses pras meninas nascerem. Lá chegando fomos pro hospital onde o Dr. Luiz Carlos foi muito bom comigo e me deu todas as instruções necessárias.
_Dr. Luiz Carlos?
_Sim, porque meu filho?
_É que eu conheci um Dr. Luiz Carlos por lá.
_De repente é o mesmo, se bem que ele já deve estar bem mais velho agora. Muito bem, nas ultimas semanas de gravidez precisei ficar internada para uma avaliação melhor da equipe médica e também para que eu pudesse receber um tratamento mais especializado. Nessa fase o Dr. Luiz foi muito mais que um médico, foi um amigo, um pai. Até hoje eu tenho ele nas minhas preces, e gostaria muito de revê-lo e mostrar para ele como estão as nossas meninas. Ele chegou a ficar várias noites cuidando de mim...
Mas daí chegou a hora do parto onde tudo correu muito bem e as crianças foram para o berçário, mas depois de algumas horas veio a notícia triste que uma das meninas não sobreviveu, a minha Ana Maria deixou a gente antes da hora....
_Ana Maria?
_Sim esse era o nome dela. Aliás, meu filho, isso também é obra do Dr. Luiz Carlos, pois foi ele que ao receber as crianças nos braços logo após o parto foi cantando os seus nomes: Ana Clara, Ana Maria e Ana Laura, nós apenas as registramos no papel, porque no coração foi ele quem nomeou.
_Eta mundo estranho esse nosso!
_Porque meu filho? Essas coisas acontecem, a gente é que nunca está preparado para elas, só isso.
_È verdade mãe, mas será que pras coisas boas a gente também não está preparado?
_Como assim, meu filho?
_Simples a vida tem coisas boas prá gente também, não tem?
_Claro que tem, veja por você mesmo que saiu daqui prá estudar e já está namorando, isso mesmo! Me fale dessa mocinha que esta tentando te tirar de mim menino!
_Ah!!! Não sei é uma menina comum, ou melhor, comum não! É linda!
_Tá fale mais!!!
_Ah!!! Não sei, mãe. Ela é uma menina de dezoito anos, filha mais velha da família, ótima estudante, filha comportada, a minha Ana é isso.
_Ana?
_Sim Ana Maria!
_Coincidência, falávamos de uma Ana Maria que se foi e você vai e nos trás outra Ana Maria, como você diz meu filho:
_Eta mundo estranho!!!
_E pode ter certeza ela é tão linda como seria a sua Ana Maria, mamãe!
_Eu sei meu filho, eu sei....
Terminada a visita ao lar Roberto voltou para a sua vidinha de estudante, sempre ao lado da Ana, e um ano se passou...
Logo no inicio do novo ano letivo estava Roberto na casa da Ana e numa conversa com o Dr. Luiz, perguntou como havia sido o inicio da sua carreira e o Dr. Luiz desconversou dizendo que tinha sido como a de todos, cheia de pacientes e de situações triviais. Dando por terminada a conversa o Dr. Luiz pediu licença e foi para o escritório, Roberto o seguiu e ficou no corredor olhando o sogro na sua escrivaninha com os olhos cheios de lágrimas...
“É esse homem tem um vulcão dentro de si!” pensou Roberto. Desde esse dia resolveu prestar mais atenção naquele homem, afinal de contas ele era o pai da Ana e depois era uma pessoa muito bondosa, fazendo caridade em muitas instituições, tinha conseguido fazer com que Roberto reavaliasse sua posição ante a religião. Sendo seguidor do Espiritismo há muitos anos e feito com que a sua família também o seguisse, logo nas primeiras semanas em que Roberto entrou na sua casa e família o levou até o Centro que freqüentava e lá o rapaz se sentiu tão bem e teve aquelas respostas tão antigas e procuradas que resolveu também se aprofundar no conhecimento da Doutrina. Por isso é que decidiu saber o que acontecia com o médico, não por curiosidade, mas por amor ao próximo mesmo. A gota d’água aconteceu no dia em que estando a sós com o Dr. Luiz no consultório da cidade mostrou a ele uma foto das suas duas irmãs, o médico simplesmente caiu na cadeira e colocando as mãos na cabeça caiu em um choro convulso, Roberto ficou sem ação e sua única reação foi ligar para o seu pai e pedir pra ele vir imediatamente em seu socorro. É claro que o seu pai ficou curioso e preocupado:
_Meu filho o que você andou aprontando pelo amor de Deus!
_Nada Papai, comigo tá tudo bem, mas tem alguém precisando do Senhor, venha com urgência e pelo amor de Deus não fale nada pras mães, isso é muito importante!!!!
_Guri, Guri!!!! Olha o que você anda fazendo!!!
_Papai pelo amor de Deus deixe de ser ranzinza e confie em mim!!!
_Tudo bem meu filho, to saindo daqui, mas você sabe que vou demorar algumas horas!
_Tudo bem Papai, venha logo!
_Agora é nos dois Dr. Luiz! Chamei meu pai Ricardo, meu anjo da guarda e ele vai nos ajudar eu tenho certeza!
_E eu vou dizer o que a ele?
_Prá começar a verdade. Isso eu aprendi desde cedo na vida. E em segundo lugar não se esqueça de que somos amigos e irmãos, então tudo vai dar certo!
_Tudo bem meu filho, mas, por favor, não fale nada disso lá em casa ainda!
_Tudo bem, mas agora calma e vamos tocar a vida. Que eu tenho certeza de que tudo vai dar certo, ta?
O Sr. Ricardo chegou outro dia bem cedo, veio todo amassado, com olheiras e os olhos no fundo e uma cara que dizia que o seu filho tinha aprontado alguma e aquela moça estava bem envolvida. Logo que chegou á cidade ligou para o Roberto e ficou decidido que iriam se encontrar logo depois do almoço no consultório do Dr. Luiz. Lá chegando a surpresa foi dupla, pois ambos já se conheciam.
_Dr. Luiz! Há quanto tempo homem!
_Ricardo, meu amigo, faz uma vida que não te vejo homem de Deus!
_Ei vocês se conhecem?
_Claro filho, foi o Dr. Luiz quem cuidou da Laura e fez o parto das nossas meninas! Mas o que você andou aprontando guri!!
Sem dizer nada Roberto tirou do bolso uma foto da Ana Maria e mostrou ao pai...
_Que é isso meu filho? Qual delas é? A Laura ou a Clara???
_Nenhuma delas papai, é a Ana Maria!
_Ana Maria?????? Ela morreu!!!
_Não papai, morreu não!
_Eta que isso tá ficando sério demais!!! Se essa é a outra Ana, então eu fiquei sem entender nada, ou melhor, só posso pensar uma coisa... Não é Doutor????
_É Ricardo, é isso mesmo, sente-se ai que eu vou te contar tudo e reencontrar a minha paz.
_Meu amigo espere um pouco, eu acho que essa história tem que ser contada em outro lugar e para outras pessoas também, você não acha?
_Tudo bem, mas qual é a sua idéia então?
_Simples, hoje é sexta-feira e eu vou levar todos vocês lá prá casa. Todos vão ter um fim de semana no sítio, comendo uma carninha de porco e uma galinhada de primeira e lá então conversamos. O que você acha?
_Vamos todos? Até a Ana Maria?
_Principalmente ela!!!
_Tudo bem, mas me faça mais um favor por enquanto não vamos deixar que elas saibam de nada.
_Por mim está ótimo, desde que esse moleque não de uma de boca mole!!!
_Papai!!!!!
_Ah..ah..ah..ah
Ricardo passou a noite na pensão da prima Eulália onde colocou as fofocas familiares em dia e também cobrou da prima informações do comportamento do seu herdeiro na cidade grande. Foi muito bem informado e ficou satisfeito com o comportamento do filho, não que ele tivesse realmente alguma duvida, mas sempre é bom conhecer o comportamento dos filhos quando fora dos nossos olhos. No sábado logo pela manhã saíram todos em direção ao sítio e foi uma festa principalmente para os jovens que quase nunca faziam uma viagem dessas, e lá foram eles com uma cantoria, uma energia que parecia a festa do ano. E realmente era mesmo, menos para o Dr. Luiz que estava mudo e tristonho apesar de todo o trabalho que Ricardo tinha tentando tirá-lo daquele mutismo...
Depois de algumas horas de viagem, de muita cantoria e gritos da moçada o comboio atravessa as porteiras do sitio Raio de Sol, onde foram recebidos por Dona Silvia toda sorridente e feliz pelo retorno dos seus queridos.
Logo que desceu do carro Ricardo foi prá junto da mulher e cochichou no seu ouvido prá que ela não fizesse nenhum comentário se visse alguma coisa estranha. Ela sem entender nada fez uma careta como perguntando ao marido sobre o quê e ele disse então lhe disse:
_É sobre as meninas amor. Preste atenção que você descobre logo, logo...
Uma vez todos recolhidos, as mulheres foram cuidar do almoço, que já estava praticamente ponto, mas sempre é motivo pra mulherada interagir, e lá foram elas pra cozinha enquanto os homens ficaram na varanda falando de trabalhos e das ocupações do sitio.
Os jovens já foram se achegando e logo encontraram o que fazer, alguns foram para o pomar, outros foram olhar o gado que estava nesse momento na área coberta recebendo um reforço de ração e Roberto foi explicando para as meninas como era feito aquele trabalho. O plantel era formado por vacas holandesas em lactação e também algumas cabeças de zebu para engorda. Havia também uma pequena criação de ovelhas, projeto ainda em inicio e também as galinhas caipiras que eram o xodó de Dona Silvia.
Logo depois do almoço o Sr. Ricardo deu uma sumida e mais no inicio da tarde eis que ele ressurge com os seus queridos compadres e filhas...
Uma vez todos reunidos na grande sala da Dona Silvia e feitas as apresentações foi Dona Laura quem quebrou o gelo ao abraçar o Dr. Luiz dizendo emocionada o quanto lhe agradecida por tudo o que ele fez por ela e pelas meninas.
_Pelo amor de Deus Dona Laura, eu fiz apenas o que deveria fazer!
_Não Dr. O Sr. foi muito mais que um médico, foi um pai para todos nós.
Nisso o Sr. Ricardo entra na sala acompanhado pelas meninas e chegando olha significativamente para o Dr. Luiz e fala:
_Laura, minha querida deixe que eu te apresente a filha mais velha do Dr. Luiz, namorada do nosso Roberto!
Quando Dona Laura se vira e olha para a moça parada na sua frente ela desaba no chão e aquilo foi um susto muito grande pra todo mundo. Quando ela voltou do desmaio e olhando para a menina só conseguia balbuciar:
_Ana Maria....Ana Maria...!!!!
Ricardo virando-se para o Dr. Luiz diz-lhe:
_Dr. A fala é sua, chegou a hora de fazer aquela confissão, contar aquela história, por favor!!!
_É Dona Laura, essa mocinha linda é a Ana Maria.... E a história que eu vou lhes contar é um pouco longa e triste, mas que precisa ser contada e tem que ser agora... Quando o Roberto entrou na nossa casa pela primeira vez eu vi nos seus olhos um brilho estranho e não era aquele gesto de curiosidade, de conhecer um ambiente e pessoas novas, era uma curiosidade muito mais profunda! Mas ele ficou mesmo sem ação foi quando um dia na piscina ele viu pela primeira vez a pinta no ombro da Ana, ele não sabe, mas eu li no seu rosto toda a história que eu vou lhes contar agora. Notei a sua reação por causa da Ana Clara e da Laurinha, vocês não sabem, mas, eu tenho acompanhado a vida de todos ao longo dos anos. Quando elas tiveram catapora, fui eu quem as atendeu, vocês as levaram lá na casa da dona Eulália e ela ligou pra mim, naquela época a minha Ana também estava com catapora....
Nestes anos todos eu passei várias vezes pela tentação de contar para a minha querida Luiza o que eu tinha feito. Vocês não sabem, mas naquela época em que Dona Laura estava internada para dar à luz suas filhas, minha Luiza também ali estava pela mesma razão... Aconteceu que em casa de ferreiro espeto é de pau, e nós não conseguimos ter a nossa filhinha, essa sim nasceu com problemas sérios no coraçãozinho e morreu minutos depois do parto, quase enlouqueci, perdi totalmente a razão, fui preparado prá ser médico dos outros, mas lá em casa eu era marido e pai, portanto com todo o direito de ser frágil e entrar em parafuso. Naquela situação fui até o berçário e vendo as crianças ali colocadas nas suas caminhas, não tive duvidas, troquei a pulseira de uma das menininhas que ali estavam, coloquei a pulseira da minha filha na Ana Maria e a da Ana na minha filhinha... As coisas aconteceram de roldão e não tive problemas porque eu era o médico e até então o assunto estava todo em minhas mãos e até o óbito da minha filha era ainda só do meu conhecimento e o pessoal da enfermagem sabiam que uma criança havia morrido naquela manhã, mas não tinham a informação total, então foi fácil fazer a troca. Depois disso deixei que a coisa corresse de forma natural, vocês choraram a morte de uma das filhas e Luiza voltou para a nossa casa toda feliz com a filha nos braços...
Os anos foram passando e eu parecia até ter esquecido a história quando Dona Eulália me ligou pedindo, socorro para as suas meninas, de imediato eu fui, eu era apenas um médico fazendo o seu trabalho, mas o meu choque foi imenso quando vi as meninas... Eu havia deixado a Aninha em casa na mesma situação e de repente a vejo ali e em dose dupla. Tudo voltou à minha memória e a dor também, nessa época eu já estava dentro da Doutrina Espírita e tinha pleno conhecimento de que a Lei de Ação e Reação iria agir na minha vida de forma inexorável, aliás, como sempre foi e será na vida de todos nós. Nessa época comecei a me envolver de forma mais objetiva nos trabalhos do nosso Centro e principalmente e fazer parte do grupo de Ação Fraterna, grupo esse que tem por objetivo fazer visitas aos lares dos mais pobres, mais necessitados e com necessidades especiais procurando levar até essas pessoas algum tipo de solução, de ajuda. Foi ai que a minha ficha caiu de vez, pois o meu ato era um dos mais ignóbeis, afinal de contas eu não havia apenas enganado a minha esposa, mas a todos vocês, não havia desculpas para o meu ato e por mais que eu pedisse perdão a Deus, eu não conseguia a minha tão desejada paz... É isso que eu estou fazendo aqui hoje Dona Laura e Seu Agenor...
_Vamos ver se eu entendi bem, o Dr. Está dizendo que essa moça tão bonita é nossa filha... Disse o Seu Agenor meio trêmulo.
_Sim Agenor, essa menina é a nossa Ana Maria, respondeu Ricardo abraçando o seu compadre.
_Tá tudo muito bem, disse Luiza chorando e torcendo as mãos, mas como vai ficar a minha vida? A Ana é minha filha mais velha, a minha primeira filha, vocês não sabem o quanto ela é importante na minha vida. Gente!!!! Isso é demais pra mim, sinceramente eu não sei como vai ficar minha vida sem minha filha!!!!
Pela primeira vez Ana Maria falou naquela reunião e foi intempestiva.
_Mamãe!!! Seja o que for que vá acontecer nada vai mudar. Eu tenho uma mãe e um pai maravilhosos, assim como a Clara e a Laura também tem e o Roberto é claro! O que vai acontecer que tanto uns quanto outros pais vão ganhar mais filhos, só isso. O que aconteceu há dezenove anos não pode ser mudado, mas pode ser melhorado e nisso tudo a maior privilegiada sou eu, é claro – acabo de ganhar mais duas mães e mais dois pais e, é lógico mais duas irmãs, isso é maravilhoso!!!!
_A Ana como sempre acha solução prá tudo, falou o Roberto abraçando-a.
_Então minha gente, como ficamos???? Pergunta Ricardo empurrando o Agenor em direção ao Dr. Luiz e forçando um abraço entre eles.
_Olha pessoal, sinceramente nós, eu e a Laura naquela época ficamos tristes sim pela perda da nossa filha, mas tínhamos mais duas pra criar e não que a outra não fosse importante, mas não deu tempo pra ser infeliz não e depois a gente sabia que Deus estava cuidando dela. E agora eu posso dizer com toda certeza Deus estava cuidando sim e muito bem, colocou no seu caminho dois dos seus melhores anjos!
Aquilo foi um jato de água fria na fervura e tudo virou em sorrisos, graças a Deus tudo acabou bem, as mulheres daquele dia em diante ficaram mais unidas, as meninas de repente ganharam uma nova casa e ficou aquele trânsito constante da faculdade pro sítio e do sítio pra capital na casa do Pai Luiz e da Mãe Silvia que não cabia de felicidade, pois agora não tinha apenas uma Ana, mas três e todas tão lindas...
Só quem se deu mal foi o Roberto, agora tinha duas línguas de trapo prá falar mal dele prá sua Ana...


Fim




Antonio Celso, 03 de fevereiro de 2013 – 22h38

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