sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Seu Juca

Seu Juca

Seu Juca era um senhor que morava com a família num desses bairros de sítios que haviam antigamente, onde tinha um armazenzinho, uma capela e a vida era muito tranquila.
Seu Juca era casado com a dona Eulália, tinha três crianças, um sitiozinho de onde ele tirava o sustento da família com o seu trabalho na roça. Ali ele criava uns porquinho, umas galinha e tinha o seu roçado lá pras bera do rio.
Mas seu Juca tinha um problema, ele era considerado um ateu até pela própria família, sua mulher era uma das grandes propagadoras desse defeito do seu Juca, já que ele nunca frequentava nenhuma das reza na igrejinha local e muito menos ia nalguma das festa santa que por ali sempre tinha nos dias que a igreja estabelecia.
Mas, verdade seja dita o seu Juca nunca foi uma má pessoa, muito pelo contrário onde se precisava de ajuda e ele estando por perto e podendo nunca deixava de arregaçar a manga e tá junto dos outros. Até o seu roçado ficava perto do rio da região onde se pegava boas piava e os pescador sempre que iam pra sua lida passavam pela roça do seu Juca e pegavam dele algumas espigas de milho verdinho prá poderem fisgar seus peixe de quilo. Acontece que a temporada de pesca sempre coincidia com a época em que a roça tava com milho verde, e parece até que o seu Juca sabendo da necessidade dos seus amigos de ter a isca na mão prá poder pescar já plantava alguns pés a mais prá eles, e sempre que voltavam do rio deixavam na casa do seu Juca algumas piavas como agradecimento pelo milho, razão pela qual seu Juca ficou conhecido na vila como o maior pescador da região sem nunca ter ido tratar de um pernilongo sequer na beira d’água...
Nas festas da igreja nunca faltaram as prendas do seu Juca, era um porquinho aqui, umas galinha ali, uns ovinhos prá completar a cesta e o milho verde sempre de carroçada pras pamonha, pros curaus, pro doces enfim.
Não foram poucas as pessoas que ao longo dos anos foram socorridas por ele nas suas necessidades, pois naquela época ele era a única pessoa que sabia aplicar uma injeção, entendia de emplastros, remédios caseiros e assim muitas das crianças da vila e região e seus pais foram socorridos pelo seu Juca Ateu como o chamavam...
E seu Juca tinha um hábito muito engraçado, sempre que podia ele ia na boca da noite sentar-se num cupim muito antigo que havia a alguns metros da entrada da sua casa e ali ficava assistindo ao por do sol, acompanhava o astro-rei se escondendo do dia, as nuvens correndo buliçosas pelo céu azul parecendo também se despedindo do sol, os pássaros voltando prá casa depois de um dia de trabalho, conversava com os grilos que logo ao escurecer parece que vinham todos ao seu redor trocar um dedo de prosa. Conhecia todas as corujas, todos os curiangos da região e ali ficava olhando pro céu esperando as estrelas irem se achegando e se arrumando no pano escuro da noite, só depois que todas elas estavam ali bem arrumadinhas na abobada celeste é que ele se recolhia, parece que tinha também além do serviço diário, de vez em quando dar uma força lá por cima....
Mas o tempo passou prá ele com prá todo mundo e o seu Juca foi ficando velhinho e já não podia mais ir prá roça, tocá sua carroça pelas estradas, razão pela qual um dos filhos assumiu as suas funções mais urgentes...E o seu Juca tornou-se então apenas um senhorzinho de barba e cabelos brancos já muito ralinhos que andava pela vila e em volta da casa com sua bengalinha, sem se afastar prá muito longe, pois como dizia ele galo velho tem que tomá cuidado cos carrero, pior então os galos muito mais velhos...
Mais um dia o seu Juca já no alto dos seus quase noventa resolveu de dá uma andada mais longa pelo bairro e foi caminhando, caminhando até que passou em frente à capelinha da vila que estava com as portas abertas, talvez alguém tivesse limpando tudo por ali e ele foi entrando na igreja pela primeira vez em sua vida. Tava tudo vazio, era umas três horas da tarde e ele se sentou logo nos primeiros bancos perto da porta e apoiando o queixo na bengala começou uma prosa:
_Tarde Jesuis! Faz tempo que a gente num se fala, né memo? Depois que minhas perna ficaram bamba e os zóio começaram a se apagar num fui mais pro nosso encontro de fim de tarde, o pessoar que me vir por aqui desse jeito sentadinho dentro dessa capela é inté capaiz de fala por ai que eu fiquei caduco de veiz.... Bobagem deles, afinar de conta num precisamos de tá preso aqui dentro prá conversá, num é memo? Eu por mim nunca intendi dereito esse negocio di tê que vim pras igreja, di queimá vela prá falar coce e co vosso Pai, afinar de conta o mundão que Deus nos deu num é uma casa maravilhosa? E a gente num proseia muito mior oiando pro céu na boca da noite? Num é mais gostoso a gente se falá escuitano o baruio dos passarinho, dos rio, das cachoera? Num cunsigo intendê quar a razão de prendere ocê aqui drento dessa capela escura junto co esses hominho de barro cos zoinho estralado desse jeito, e o pior tentarem dexá ocê ai na cruiz pregadinho desse jeito, será que eles num sabe que ocê tá vivo?
Nisso entrou e sentou-se do lado do seu Juca um moço alto, vestindo uma túnica bem branca e se aproximando do velhinho foi colocando a mão nos seus ombros e dizendo:
_Pois é seu Juca, faz tempo que a gente não conversa, mas também estamos sempre muito ocupados, não é mesmo? O senhor lá com as suas obrigações e eu com as minhas, mas eu também estava com saudades das nossas conversas ao luar.
Seu Juca olhou para o moço e dando um abraço nele foi falando da sua saudade, da necessidade que ele tinha de conversar de novo. E o moço então o convidou para darem uma volta pela vila e lembrar os velhos tempos. E lá foram os dois saindo por uma portinha lateral da capela e se perderam pelos caminhos da vila...
Lá na casa do seu Juca começou um reboliço, afinal de contas o pai já fazia algumas horas que estava desaparecido, e todos saíram à cata do velho pelas cercanias, até que pergunta aqui, pergunta ali chegaram na pracinha em frente da capela e encontrando o padre contaram para ele o acontecido e ele logo os acalmou convidando para que entrassem na igrejinha e que ali o Senhor indicaria a solução...
E lá foram todos, qual não foi a surpresa ao encontrarem seu Juca ali sentadinho, com o queixo pregado na bengala olhando para o altar lá na frente...
O padre foi logo se aproximando do velhinho de dando-lhe uma reprimenda carinhosa foi dizendo:
_Que susto seu Juca, se esconder da gente assim!
Mas quando ele foi tocar no ombro do velhinho notou que ele havia falecido e já estava ate rígido. Seu Juca morreu sentado ali na entrada da capela com os olhos bem abertos, e por mais que o pároco tentasse fechar os seus olhos não conseguia e ele disse aos filhos que era até um sacrilégio fazer isso, pois o olhar do finado amigo passava uma paz tão gostosa que parecia que ele estava enxergando o paraíso. O velhinho foi sepultado com um pano branco sobre os olhos....
Creio que ainda hoje Jesus e seu Juca estão por ai passeando e conversando....


Antonio Celso
28/07/2014




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