Seu Juca
Seu Juca era um senhor que
morava com a família num desses bairros de sítios que haviam antigamente, onde
tinha um armazenzinho, uma capela e a vida era muito tranquila.
Seu Juca era casado com a dona
Eulália, tinha três crianças, um sitiozinho de onde ele tirava o sustento da
família com o seu trabalho na roça. Ali ele criava uns porquinho, umas galinha
e tinha o seu roçado lá pras bera do rio.
Mas seu Juca tinha um problema,
ele era considerado um ateu até pela própria família, sua mulher era uma das
grandes propagadoras desse defeito do seu Juca, já que ele nunca frequentava
nenhuma das reza na igrejinha local e muito menos ia nalguma das festa santa
que por ali sempre tinha nos dias que a igreja estabelecia.
Mas, verdade seja dita o seu
Juca nunca foi uma má pessoa, muito pelo contrário onde se precisava de ajuda e
ele estando por perto e podendo nunca deixava de arregaçar a manga e tá junto
dos outros. Até o seu roçado ficava perto do rio da região onde se pegava boas
piava e os pescador sempre que iam pra sua lida passavam pela roça do seu Juca
e pegavam dele algumas espigas de milho verdinho prá poderem fisgar seus peixe
de quilo. Acontece que a temporada de pesca sempre coincidia com a época em que
a roça tava com milho verde, e parece até que o seu Juca sabendo da necessidade
dos seus amigos de ter a isca na mão prá poder pescar já plantava alguns pés a
mais prá eles, e sempre que voltavam do rio deixavam na casa do seu Juca
algumas piavas como agradecimento pelo milho, razão pela qual seu Juca ficou
conhecido na vila como o maior pescador da região sem nunca ter ido tratar de
um pernilongo sequer na beira d’água...
Nas festas da igreja nunca
faltaram as prendas do seu Juca, era um porquinho aqui, umas galinha ali, uns
ovinhos prá completar a cesta e o milho verde sempre de carroçada pras pamonha,
pros curaus, pro doces enfim.
Não foram poucas as pessoas que
ao longo dos anos foram socorridas por ele nas suas necessidades, pois naquela
época ele era a única pessoa que sabia aplicar uma injeção, entendia de
emplastros, remédios caseiros e assim muitas das crianças da vila e região e
seus pais foram socorridos pelo seu Juca Ateu como o chamavam...
E seu Juca tinha um hábito muito
engraçado, sempre que podia ele ia na boca da noite sentar-se num cupim muito
antigo que havia a alguns metros da entrada da sua casa e ali ficava assistindo
ao por do sol, acompanhava o astro-rei se escondendo do dia, as nuvens correndo
buliçosas pelo céu azul parecendo também se despedindo do sol, os pássaros
voltando prá casa depois de um dia de trabalho, conversava com os grilos que
logo ao escurecer parece que vinham todos ao seu redor trocar um dedo de prosa.
Conhecia todas as corujas, todos os curiangos da região e ali ficava olhando
pro céu esperando as estrelas irem se achegando e se arrumando no pano escuro
da noite, só depois que todas elas estavam ali bem arrumadinhas na abobada
celeste é que ele se recolhia, parece que tinha também além do serviço diário,
de vez em quando dar uma força lá por cima....
Mas o tempo passou prá ele com
prá todo mundo e o seu Juca foi ficando velhinho e já não podia mais ir prá
roça, tocá sua carroça pelas estradas, razão pela qual um dos filhos assumiu as
suas funções mais urgentes...E o seu Juca tornou-se então apenas um senhorzinho
de barba e cabelos brancos já muito ralinhos que andava pela vila e em volta da
casa com sua bengalinha, sem se afastar prá muito longe, pois como dizia ele
galo velho tem que tomá cuidado cos carrero, pior então os galos muito mais
velhos...
Mais um dia o seu Juca já no
alto dos seus quase noventa resolveu de dá uma andada mais longa pelo bairro e
foi caminhando, caminhando até que passou em frente à capelinha da vila que
estava com as portas abertas, talvez alguém tivesse limpando tudo por ali e ele
foi entrando na igreja pela primeira vez em sua vida. Tava tudo vazio, era umas
três horas da tarde e ele se sentou logo nos primeiros bancos perto da porta e
apoiando o queixo na bengala começou uma prosa:
_Tarde Jesuis! Faz tempo que a
gente num se fala, né memo? Depois que minhas perna ficaram bamba e os zóio
começaram a se apagar num fui mais pro nosso encontro de fim de tarde, o
pessoar que me vir por aqui desse jeito sentadinho dentro dessa capela é inté
capaiz de fala por ai que eu fiquei caduco de veiz.... Bobagem deles, afinar de
conta num precisamos de tá preso aqui dentro prá conversá, num é memo? Eu por
mim nunca intendi dereito esse negocio di tê que vim pras igreja, di queimá
vela prá falar coce e co vosso Pai, afinar de conta o mundão que Deus nos deu
num é uma casa maravilhosa? E a gente num proseia muito mior oiando pro céu na
boca da noite? Num é mais gostoso a gente se falá escuitano o baruio dos
passarinho, dos rio, das cachoera? Num cunsigo intendê quar a razão de prendere
ocê aqui drento dessa capela escura junto co esses hominho de barro cos zoinho
estralado desse jeito, e o pior tentarem dexá ocê ai na cruiz pregadinho desse
jeito, será que eles num sabe que ocê tá vivo?
Nisso entrou e sentou-se do lado
do seu Juca um moço alto, vestindo uma túnica bem branca e se aproximando do
velhinho foi colocando a mão nos seus ombros e dizendo:
_Pois é seu Juca, faz tempo que
a gente não conversa, mas também estamos sempre muito ocupados, não é mesmo? O
senhor lá com as suas obrigações e eu com as minhas, mas eu também estava com
saudades das nossas conversas ao luar.
Seu Juca olhou para o moço e
dando um abraço nele foi falando da sua saudade, da necessidade que ele tinha
de conversar de novo. E o moço então o convidou para darem uma volta pela vila
e lembrar os velhos tempos. E lá foram os dois saindo por uma portinha lateral
da capela e se perderam pelos caminhos da vila...
Lá na casa do seu Juca começou
um reboliço, afinal de contas o pai já fazia algumas horas que estava
desaparecido, e todos saíram à cata do velho pelas cercanias, até que pergunta aqui,
pergunta ali chegaram na pracinha em frente da capela e encontrando o padre
contaram para ele o acontecido e ele logo os acalmou convidando para que
entrassem na igrejinha e que ali o Senhor indicaria a solução...
E lá foram todos, qual não foi a
surpresa ao encontrarem seu Juca ali sentadinho, com o queixo pregado na
bengala olhando para o altar lá na frente...
O padre foi logo se aproximando
do velhinho de dando-lhe uma reprimenda carinhosa foi dizendo:
_Que susto seu Juca, se esconder
da gente assim!
Mas quando ele foi tocar no
ombro do velhinho notou que ele havia falecido e já estava ate rígido. Seu Juca
morreu sentado ali na entrada da capela com os olhos bem abertos, e por mais
que o pároco tentasse fechar os seus olhos não conseguia e ele disse aos filhos
que era até um sacrilégio fazer isso, pois o olhar do finado amigo passava uma
paz tão gostosa que parecia que ele estava enxergando o paraíso. O velhinho foi
sepultado com um pano branco sobre os olhos....
Creio que ainda hoje Jesus e seu
Juca estão por ai passeando e conversando....
Antonio Celso
28/07/2014
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